Este período escolhi ler "In Nomine Dei", um livro de teatro de José Saramago. Baseada em factos verídicos, esta peça, constituída por três atos, retrata as lutas entre Protestantes e Católicos em Munster (Alemanha) em pleno século XVI.
Apresenta uma escrita relativamente simples com a presença constante de alegorias bíblicas, e visto tratar-se de um livro de teatro, lê-se com alguma rapidez e facilidade.
Em termos de conteúdo transporta-nos para um período de guerra, levada a cabo pela divergência de crenças religiosas, que se arrasta sob o pretexto de se tratar de um desígnio de Deus. Saramago demonstra-nos algumas das mais horrendas atrocidades que o Homem se dispõe a cometer em nome de Deus e põe ainda em evidência o mau uso da crença religiosa (usada como forma de chegar ao poder), facilmente descartável a partir do momento em que se torna inconveniente.
Um facto que achei particularmente interessante foi o de as personagens femininas aparecerem sob a forma de voz da razão, voz da essência da religião. Assim, Hille Feiken sacrifica-se em nome do seu povo, tentando seduzir Franz Von Waldeck (bispo católico que empenhou um cerco sobre a cidade, onde mantinha todos os seus opositores) com o intuito de envenenar o mesmo. Esta fracassa, e apesar de se ter revelado altamente altruísta e promotora da paz, nunca foi reconhecida como tal. Outra das personagens femininas relevantes foi Gertrud Von Utrecht, mais tarde rainha Divara, que tentou sempre de alguma forma demover o seu marido (Jan Van Leiden) de tomar atitudes drásticas e despropositadas, e se apresentou como pacifista e genuína entendedora da palavra de Deus.
Por outro lado, as personagens masculinas apresentam-se como poderosas em termos materiais, no entanto, pobres em termos espirituais, que abusam dos dogmas divinos e os distorcem de forma a que os mesmos vão de encontro aos seus objetivos. Temos então a personagem Jan Van Leiden, marido de Divara e mais tarde rei de Munster, que se diz profeta de Deus e manipula o povo apenas com o objetivo de chegar ao poder. Este facto é comprovado no desenlace, no qual, Jan Van Leiden se dispõe a abjurar perante Waldeck, a troco de poder sobreviver, ao contrário do seu povo e das suas inúmeras esposas que se mantiveram fiéis até ao fim, apesar de isso representar a morte.
Como tal esta obra possui um carácter de consciencialização, que nos leva a reflectir sobre um assunto tão polémico como é o da religião.
Deixo-vos com o seguinte texto, que aparece como introdução à peça:
"Entre o homem, com a sua razão, e os animais, com o seu instinto, quem, afinal, estará mais bem dotado para o governo da vida? Se os cães tivessem inventado um deus, brigariam por diferenças de opinião quanto ao nome a dar-lhe. Perdigueiro fosse, ou Lobo-d' Alsácia? E, no caso de estarem de acordo quando ao apelativo, andariam, gerações após gerações, a morder-se mutuamente por causa da forma das orelhas ou do tufado da cauda do seu canino deus?
(...)Não é culpa minha nem do meu discreto ateísmo se em Munster, no século XVI, como em tantos outros tempos e lugares, católicos e protestantes andaram a trucidar-se uns aos outros em nome de Deus- In Nomine Dei- para virem a alcançar, na eternidade, o mesmo Paraíso. Os acontecimentos descritos nesta peça representam, tão-só, um trágico capítulo da longa e, pelos vistos, irremediável história da intolerância humana. Que o leiam assim, e assim o entendam, crentes e não crentes, e farão, talvez, um favor a si próprios. Os animais, claro está, não precisam."
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